Imóveis em áreas vulneráveis chegam a desvalorizar até 30% no Rio
A instalação de uma guarita de segurança privada na noite da última segunda-feira, na pracinha da Rua General Glicério, em Laranjeiras, reacendeu a polêmica das cancelas em vias públicas — uma medida que volta a ser adotada no Rio sob o argumento de manter afastada a violência urbana.
Na ocasião, uma empresa pôs uma cabine e funcionários à disposição dos moradores para uma espécie de “degustação grátis” do serviço, por 15 dias. O problema é que o pedido foi feito apenas por alguns síndicos, após um episódio de sequestro-relâmpago na região. A maior parte da vizinhança não foi consultada, o que gerou revolta. De um lado, moradores, desconfiados da chegada do que acreditam ser “uma milícia”, puseram-se contra a instalação. De outro, vizinhos queriam se unir para exigir que o poder público deixe de ser omisso e participe ativamente da prevenção de assaltos, roubos e outros tipos de crime onde residem.
A questão do mercado
Fato é que a falta de segurança, além de deixar o cidadão acuado, interfere diretamente no valor de compra, venda e locação dos imóveis. Uma casa ou apartamento chega a desvalorizar entre 10% e 30% por causa da violência.
Segundo Leonardo Schneider, vice-presidente do Sindicato da Habitação (
Secovi Rio), preços de imóveis tiveram valorização de até 15% após a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), há alguns anos, especialmente em regiões como Tijuca e Vila Isabel. Com o fim das unidades, acabaram-se também a liquidez e, consequentemente, a construção e venda, afirma.
— O medo de adquirir unidades em determinados pontos da cidade está sendo retomado — diz ele, que cita Tijuca, Botafogo e São Conrado, como os mais críticos no momento, principalmente por causa de guerras do tráfico em comunidades no entorno. — Tem a crise, mas tem a violência também, que pode ter um reflexo de 20% a 30% no imóvel, dependendo da região.
A desvalorização não se deve, necessariamente, a roubos de casas, mas também à sensação de vulnerabilidade na região.
Laudimiro Cavalcanti, diretor do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci-RJ), acrescenta que não só a venda e os aluguéis são prejudicados, mas o custo da violência está embutido de outras formas.
Uma delas é o aumento no valor mensal do condomínio, que fica mais caro ao ter que reforçar a segurança. Ainda assim, afirma ele, há quem prefira pagar mais pela tranquilidade e valorize um logradouro com guaritas, por exemplo, na hora da compra.
O gerente geral de locação e compra & venda da Apsa, uma das maiores administradoras de imóveis no Estado, Giovani Oliveira, por sua vez, diz que a percepção é sutil e a violência interfere em casos pontuais.
— Alguns proprietários dizem que a violência interfere negativamente na venda do imóvel e há locatários que saem de onde estão pelo mesmo motivo, mas a maior razão da vacância de hoje é a crise. É um ou outro caso que informa a questão da violência — conta.
Surgidas na década de 80, as guaritas com cancela hoje são comuns no Rio, principalmente em bairros como Barra, Joá e até Copacabana, repletos de ruas sem saída. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação, no último ano, foram concedidas 54 autorizações para a instalação de cancelas ou guaritas, sendo que a maioria dos pedidos foi para a Zona Oeste.
Guaritas, sim ou não?
Hoje, conforme o decreto 43.038, de 18 de abril de 2017, os pedidos precisam de autorização da Subsecretaria de Urbanismo. De acordo com o órgão, a instalação de guaritas e cancelas só é permitida quando o condomínio de casas ou de apartamentos está em uma área residencial e sem a presença de órgãos de serviços públicos como escolas e hospitais. Ainda, o uso de guarita e cancela não pode vedar ou limitar o acesso de carros e transeuntes e deve ser aprovado pela maioria dos moradores do local.
É difícil calcular exatamente quantas guaritas e cancelas há na cidade e quais estão regularizadas. Algumas conseguiram tal concessão na Justiça, outras foram aprovadas pela prefeitura há muitos anos, quando as normas e procedimentos eram diferentes.
A maioria tem apenas uma cabine sem segurança armada que controla a entrada e saída de visitantes e veículos — modelo que é permitido pela legislação municipal. Grades e portões são vedados, pois interferem no direito de ir e vir dos cidadãos.
Com grade não pode
Em Copacabana, há 21 anos, os moradores criaram a Associação de Moradores da Rua Marechal Mascarenhas de Morais para uma longa rua sem saída com 15 prédios e 350 apartamentos.
O administrador do grupo, Paulo César Pinto, conta que as despesas são divididas entre os moradores e a valorização no local chega a 10% nos imóveis. — Nos últimos seis anos incrementamos a segurança com um sistema que conta com câmeras. É um mal necessário. Não temos mais assaltos, as crianças podem brincar nas ruas — comenta Paulo César.
Já em uma rua sem saída na Barra, com seis prédios e uma pequena praça, moradores decidiram fechar a via pública com um portão, não só por segurança como também para não perder vagas para seus carros. Virou, praticamente, um condomínio privado, o que, certamente, aumenta a valorização dos imóveis.
O acesso, diz a placa, é público, mas não é bem assim. A reportagem tentou entrar de carro mas o acesso é permitido apenas para moradores que têm controle remoto. E, embora durante o dia a cancela fique aberta aos pedestres, à noite ela é fechada e só entra no local quem tem chave própria ou autorização da segurança privada que fica em frente ao portão numa guarita.
No Joá, o “Morar Bem” também encontrou várias ruas com guaritas e cancelas. Estas, porém, seguem os moldes permitidos. Em uma das áreas residenciais, o segurança pediu o nome do motorista, anotou a placa e perguntou o destino. Ao dizer que era a praia, liberou o acesso — como tem que ser.
Na Barra. Prédios se uniram para colocar um portão em via pública, onde o acesso de carro é restrito a moradores - BARBARA LOPES / Agência O Globo
A rua foi fechada, mas e do lado de fora?
O“Morar Bem” ouviu a opinião de vários moradores sobre a instalação de guaritas e cancelas. Os que vivem em logradouros que têm esse tipo de vigilância tendem a ser a favor. Não que o problema da violência tenha sido resolvido, mas a sensação é de que as cancelas inibem ações criminosas.
— Eu já morei aqui e minha sogra ainda mora. Acredito que a segurança afasta os amadores, porque se for um roubo profissional, não há segurança que impeça. Temos só que pensar na questão de mobilidade da cidade — diz a produtora de cinema Milena Palmieri. Ela acredita que a guarita ajuda a valorizar os imóveis dali.
— O que as pessoas não sabem é que o acesso é livre para poderem ir e vir — explica o morador Antonio Carlos Santos.
Já na Rua General Glicério, em Laranjeiras, onde uma empresa instalou a “proteção” sem consentimento da maioria, a resposta é “não”. Ao menos dos que estava presentes na reunião na praça na terça-feira à noite, para discutir a questão.
Walnice Souto Teixeira, empresária que mora há 30 anos em uma rua sem saída que tem guarita não armada, apoia a ideia. Para ela, a segurança melhora mas não significa segurança total. — Mesmo assim, minha casa foi assaltada e levaram tudo. O problema é a ausência do poder público. É um salve-se quem puder.
Quanto à segurança, a assessoria da SEOP, da prefeitura, disse que apoia a segurança, mas a responsabilidade é da Polícia Militar.
A PM, por sua vez, disse em nota que “vem buscando mês a mês reduzir os índices de violência. Providências operacionais estão sendo adotadas, inclusive diante da escassez de recursos humanos e materiais, devido à crise financeira que o Estado atravessa. Os índices criminais refletem um cenário social que não depende apenas da Corporação para ser revertido.”
Fonte: O Globo, Raphaela Ribas
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