Violência desvaloriza bairros como Gávea e São Conrado, e causa êxodo na Rocinha
Em quarto lugar no ranking dos bairros e favelas do Rio que tiveram maior registro de tiroteios nos primeiros quatro meses deste ano, a favela da Rocinha vive uma rotina de operações policiais diárias. Desde que o policiamento foi intensificado, em setembro do ano passado, o laboratório de dados sobre violência armada Fogo Cruzado registrou 159 tiroteios nas mais diversas regiões da favela. Foi registrado pelo menos um tiroteio a cada dois dias. A maior parte dos registros ocorreu nos últimos quatro meses do ano, o que indica uma maior insegurança, mesmo com a presença ostensiva de agentes da Polícia Militar.
No sábado, mais uma vez, moradores acordaram ao som de tiros. Em imagens divulgadas nas redes sociais, a população registrou o som de intenso confronto entre PMs e traficantes. Agentes do Batalhão de Choque teriam revidado após serem atacados por criminosos.
O cenário de insegurança tem se refletido na desvalorização imobiliária da região próxima à favela. Um levantamento do Sindicato da Habitação do Rio (Secovi-RJ), que analisou a variação no valor da venda de imóveis localizados em 80 bairros da Região Metropolitana, no primeiro quadrimestre deste ano, mostra que a Gávea apresentou uma desvalorização acima da média. Enquanto os imóveis dos bairros analisados desvalorizaram , em média, 1,09%, os da Gávea tiveram queda de 2,9% de seu valor de venda. O metro quadrado que custava R$ 16.626, em janeiro, passou a R$ 16.150, em abril – uma queda de R$ 476 por metro quadrado.
Outro vizinho da favela, o bairro de São Conrado também vive a desvalorização de seus imóveis. O primeiro quadrimestre analisado registrou uma leve queda de 0,5 %.
Para o vice-
presidente do Secovi Rio, Leonardo Schneider, a desvalorização está diretamente atrelada ao incremento da violência em diversas áreas da cidade.
“Já vivemos uma crise financeira e política muito prejudiciais para o setor imobiliário. A violência crescente em diversas regiões da cidade só piora este quadro”, lamenta O efeito é sentido pelo engenheiro civil Antônio Cavalcante, que tenta, sem sucesso, vender dois imóveis próximos ao Parque da Cidade. Num deles, vive há 35 anos.
“Sei que vivemos uma crise, mas essa onda de violência tem prejudicado muito a todos. Quem vai querer conviver com tiroteio constantemente? Ninguém quer”, reclama.
Outro que também reclama da situação é o administrador de empresas Rodrigo Pedrosa. Morador da Rua Marquês de São Vicente, ele mantém um casal de filhos matriculados na Escola Parque, na mesma via. O colégio, segundo conta, vai desativar sua sede ali por conta da violência.
“Já vivi um episódio bem desagradável, quando meus filhos não puderam ser liberados da escola, porque estava tendo confronto. A decisão de mudança de endereço é uma providência adequada e necessária”, avalia. Se fora da favela os moradores já sentem o efeito da violência, dentro dela o cenário é desolador.
“Todo mundo que eu conheço quer ir embora daqui, mas ninguém consegue vender. A minha casa está à venda, mas não aparece ninguém interessado. Quanto mais aumenta a violência, mais difícil é para vender. Desde o ano passado, nosso despertador são tiros. A gente sai e não sabe como será o retorno para casa. Tem como morar num lugar assim? Só mesmo com muita necessidade, o que é o meu caso. Desempregado, não tenho como pagar um aluguel fora daqui”, conta Alexander Isaías, ex-gerente de cinema, morador da localidade conhecida como Cachopa, na parte alta do morro.
Nascida na favela, Marcia Duarte, de 40 anos, vai além da crítica de Alexander. Para ela, a presença da polícia, sem um plano de ação eficiente, piorou a situação. “Ficamos todos muito assustados diariamente. Mesmo quando o tiroteio não é perto da parte em que eu moro, a gente escuta nitidamente os tiros. Antes, minha filha de 3 anos não entendia muito. Agora, ela fica desesperada. Minha mãe está com Síndrome do Pânico. Não temos mais paz. Antes de a polícia estar aqui todos os dias, não tínhamos todos esses tiroteios. A PM aqui não melhorou a nossa vida.. Se eu pudesse, me mudaria, mas não tenho condições”, critica ela, que é tia de Matheus da Silva Duarte, morto na madrugada do dia 24 de março.
Segundo informações da PM, agentes do Batalhão de Operações Especiais e do Batalhão de Choque se revezam durante o policiamento no morro.
Mais de 50 mortos
Desde que a PM iniciou uma operação continuada na região, em 18 de setembro, foram registradas 52 mortes – 48 teriam morrido em confronto com a polícia. Entre os mortos estão ainda dois PMs, uma turista espanhola e um morador. Questionada sobre os oito jovens (quatro deles com anotações criminais), mortos durante ação do Batalhão de Choque no dia 24 de março estarem incluídos entre os criminosos, a assessoria da PM não soube responder. Mesmo depois de um mês do crime, a apuração das mortes ainda não foi concluída pela Polícia Civil.
Fonte: Jornal do Brasil,
Maria Luisa de Melo
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