ua da Carioca, uma antiga estrela sobe

Na Rua da Carioca, uma antiga estrela sobe

  Entre casarões decadentes e (muitas) portas de comércio cerradas na Rua da Carioca, um conjunto de mais de cem anos com pintura nova e movimento intenso de operários parece remar contra a maré. O endereço, no número 62, virou até atração: pedestres e turistas a toda hora param na porta, espiam, perguntam "o que está acontecendo?", e se espantam quando olham para o teto no interior do prédio, ocupado por uma enorme cúpula transparente, que, no passado, abria e fechava para o público do Cine Ideal. Ele foi o único cinema na América do Sul a funcionar ao ar livre à noite. Foi essa estrela do velho cinema que fisgou, no ano passado, um grupo de empresários que procurava por aquelas bandas do Centro um local novo para investir. Na época, a cúpula estava sem os vidros, e uma lona azul tentava - em vão - proteger o prédio das chuvas. Essa cobertura foi projetada pelo engenheiro francês Gustave Eiffel (sim, o mesmo da torre parisiense), o que deixou a turma boquiaberta. Em um ano, eles restauraram todo o espaço, que faz sua reestreia na cidade com festa e tapete vermelho na próxima quinta-feira. Agora, será a casa de eventos Maison Leffié (Eiffel ao contrário). - Quando nos deparamos com o prédio, foi paixão à primeira vista. Olhei para a cúpula e fiquei imaginando tudo o que podia fazer naquele lugar. Fiquei alucinada - conta a arquiteta Rita de Cássia Silva, do time de nove sócios da Maison Leffié. Até o começo do ano passado, o antigo cinema, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), era uma boate gay, com paredes vermelhas e espelhos. Na reforma, o ambiente foi pintado em um tom areia e recebeu elementos decorativos de inspiração art nouveau, estilo predominante no endereço. Dois lustres de cristal, de um metro e meio cada, dão um ar clássico ao local. PEÇAS DE FERRO FUNDIDO RESTAURADAS A obra - que custou cerca de R$ 2 milhões, sem contar o trabalho da construtora, parceira do empreendimento - restaurou também os ornamentos da fachada e os guarda-corpos de ferro fundido. Para um balcão interno, onde a balaustrada não existia, a proteção foi reproduzida igualzinha. - Queremos devolver esse prédio para a cidade e criar um novo local de celebração - diz Flávio Moreno Fernandes, um dos sócios, explicando que o espaço será aberto para eventos como casamentos, desfiles de moda e pocket shows. Apesar de a casa renascer como um sopro de esperança na Carioca, o entorno da rua também é uma preocupação dos empresários, envolvidos em negócios ecléticos como o Jazz In'Champanheria, na Praça Mauá, e as festas Coordenadas e Pessoas do Século Passado. - Nossa ideia é estimular o entorno, contribuir para a revitalização da rua. Estamos no coração da cidade - diz Cristina Fernandes, outra sócia. O Cine Ideal foi inaugurado no dia 2 de outubro de 1909, sendo que a primeira exibição só ocorreu no mês seguinte. Seu proprietário era o Visconde de Moraes, e Rui Barbosa, o seu espectador mais ilustre. O Ideal rivalizava com o Cine Íris, na mesma rua. No livro "Palácios e poeiras -100 Anos de Cinemas no Rio de Janeiro", Alice Gonzaga conta que o Ideal passava os filmes da Pathé, e o Íris os da Universal. Os dois deixavam a rua intransitável. - Em 1926, o Ideal virou cineteatro. Na época, os cinemas encontravam dificuldades para ter sempre filmes disponíveis - afirma Renato Gama-Rosa, autor de "Salas de cinema art déco no Rio de Janeiro", contando que o cinema tinha 800 lugares e o seu foyer era animado por uma "orquestra de senhores". Depois da Segunda Guerra, ele se consolidou novamente como cinema, mas, em 1961, a telona foi aposentada. De lá para cá, o endereço teve diferentes usos, foi até sapataria, a Polar. Hoje, restam dois dos quatro sobrados do antigo complexo. Para o grupo hoje à frente da casa, a restauração resgata um glamour perdido, mas com atmosfera contemporânea. Essa mistura se reflete na ideia de fazer da cúpula, protagonista da casa, uma espécie de tela de cinema, com projeções que já poderão ser vistas na reabertura, fechada a convidados. Na programação, cenas antigas filmadas em Paris. Aos que pretendem se reencontrar com o cine ou conhecê-lo, fica a dica: do terraço, vê-se não só a cobertura de Eiffel por fora como a Praça Tiradentes e outras paisagens do Centro. O primeiro evento para o público será a festa "Pessoas do Século Passado", com a banda Autoramas, no dia 12 de dezembro. Fonte: O Globo < Voltar